Apartamento de Marcos Bertoldi tem Lógica, Magia e Arte
Se o problema é ampliar espaço, bom arquiteto mistura lógica com mágica. Para montar residência e escritório secundários em São Paulo, Marcos Bertoldi escolheu apartamento compacto em edifício diferenciado. Valorizado pelas construções baixas nos lotes vizinhos, o projeto inteligente de Abraão Sanovicz em meio de terreno é um exemplar significativo do interesse dos anos 1960 e 1970 na exposição franca da estrutura regular de concreto aparente, com janelas e peitoris estendendo-se entre os pilares avançados para fora. Bertoldi manteve a planta original alongada com as peças dispostas em duas faixas retangulares. Mas a sala de estar ocupando três módulos estruturais ganhou formato de T, duas orientações e ventilação cruzada com a demolição de uma parede e a correspondente incorporação do espaço que era o quarto de empregada desnecessário. Removida a pintura de vigas e pilares dentro do apartamento, eles exibem de novo orgulhosos as veias das formas de madeira, protegidas por um verniz transparente. Como outrora, o cinza do concreto unifica sublinha elegantemente as paredes e destaca os peitoris acetinados pintados de branco. Mas o piso, ah, o piso, este é agora um plano também branco de resina brilhante que se junta com as paredes gerando como um fundo quase infinito, dentro do qual as pessoas e as coisas parecem levitar.
Porque não há tapete, a não ser a pele de vaca junto ao sofá clássico de Bernardo Figueiredo na parede de fundo, foco para quem chega. O sofá, o banco Rebanho de Tina e Lui e o divã de Luciana Martins e Gerson de Oliveira constituem as âncoras volumosas e escuras, terrosas, que chamam a atenção para as três paredes transversais enquanto as dissimulam com a ajuda dos quadros pendurados com arte em diversas alturas. O fundo infinito então se encurta e alarga de modo sutil. No meio da encruzilhada, a mesa redonda e branca de bom tamanho e pé central serve para trabalho, reunião e refeição, organiza e facilita a circulação, iluminada pelo pendente em vidro soprado esférico. À sua volta, as cadeiras Ghost de Philippe Starck dão a nota estrangeira e transparente.
As cadeiras de John Graz as acompanham, esbeltas, lineares e bem torneadas com três pés em vez dos quatro costumeiros. O conjunto desconjuntado é o único momento de repetição de peças na coleção de móveis do melhor design moderno brasileiro. Cadeiras de aproximação como a Girafa de Lina Bo Bardi e a Paulistano de Paulo Mendes da Rocha convivem com a poltroneta que balança Mendes Hirth e mesinhas de apoio como a do Estúdio Manus surreal com pés de flamingo, todos fazendo bom uso dos peitoris altos em que se encostam. Persianas sobre as janelas permitem a manipulação da luz sem tirar nada da largura do ambiente. A diversificação requintada de formas constitui uma paisagem densa mas visualmente leve, definindo grafismos em contraponto com o envelope despojado, de superfícies só-lidas contínuas e transparências eventualmente estriadas. Bertoldi restaurou e renovou com senso certeiro e o resultado funciona associando arquitetura e equipamento num diálogo que gera festa para a visão e o tato, revitalizando o passado recente para melhor usufruto da contemporaneidade educada. Como não aplaudir?
Fonte: Revista Versatille – Edição 82